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Perfeccionismo: o mal oculto do mundo corporativo

Após uma bateria de perguntas sobre suas antigas experiências profissionais e sua perspectiva em assumir o cargo de gerente na empresa, o recrutador resolve fazer um último questionamento ao candidato:

“Se pudesse destacar um defeito em você, qual seria?”.

Já com a resposta pré-formatada e à espera de ser utilizada caso essa pergunta seja feita, o entrevistado faz cara de pensativo, finge refletir por alguns segundos e dispara:  

 “Sou meio perfeccionista, gosto de fazer tudo com muita precisão, nos mínimos detalhes”.

O cenário acima é repetido quase que diariamente em entrevistas de emprego em todo o mundo.   Por ser considerado um “problema leve” ou até mesmo uma característica positiva, o perfeccionismo virou a “desculpa” queridinha dos candidatos na hora de brigar por uma vaga. No entanto, ter em seu perfil o atributo de perfeccionista passa longe de ser uma virtude ou de um problema simples.

Segundo o escritor norte-americano Joseph Campbell, ela é nociva à produtividade humana:   “A perfeição não leva a nada.   Todo processo leva a algum tipo de desconstrução”.    Tal desconstrução é resultado da busca infindável pela perfeição e, nesse processo, os perfeccionistas estão sempre insatisfeitos consigo; nunca fazem o suficiente aos seus olhos.

Quando as dúvidas a respeito da qualidade do trabalho se fazem constante e o indivíduo questiona frequentemente seu desempenho, a ponto de prejudicar a pontualidade e eficiência com rigidez e prudência em excesso, o perfeccionismo se torna um distúrbio neurótico.   Dependendo dos danos ocasionados, pode até ser denominado de transtorno de personalidade obssessivo-compulsivo.

 

As raízes do perfeccionismo

Para Gordon Flett, professor de Psicologia da Universidade de Iorque, no Canadá, o perfeccionismo não tem apenas raízes intrínsecas e pode ser ocasionado pela ditadura em conseguir um desempenho perfeito imposto pela sociedade contemporânea.   “Temos visto um enorme estresse relacionado à necessidade de ser perfeito, necessidade esta que surge tanto no sentido da pressão que você impõe a si mesmo, como também do que as outras pessoas esperam de você”, explica.

Os perfeccionistas são divididos em três tipos: o automotivado, que impõe a si padrões elevados e luta para cumprir as próprias exigências, convivendo com o risco da autocrítica depressiva; o que exige perfeição dos outros e acaba destruindo seus relacionamentos por isso; e o socialmente imposto, que tenta atender as expectativas exteriores e acredita que só será aceito se for o melhor, fator de risco de distúrbios alimentares e ideias suicidas.

Nesse panorama, o grande problema é que os perfeccionistas, por não enfrentarem estigma algum, não estão cientes de que são portadores de uma disfunção.   De acordo com Alice Provost, conselheira assistente da Universidade da Califórnia, que coordenou uma terapia em grupo com funcionários que lutavam contra impulsos perfeccionistas, o que acontece é que muitos são encorajados a pensar como algo positivo:   "Eles têm muito orgulho disso… A cultura da nossa sociedade valoriza e reforça muito as atitudes deles".

Um comportamento perfeccionista geralmente está ligado a uma baixa autoestima e à falta de confiança.   Para Gordon Flett, os perfeccionistas "se sentem incapazes e se esforçam muito para evitar o fracasso.   Mas perder faz parte da vida.   Exigências inatingíveis só geram frustração.   O principal desafio destas pessoas é aceitar que as coisas são imperfeitas”.

 

E no mercado de trabalho?

Quando questionado ao diretor da Telefónica, Kim Faura, quais qualidades são imprescindíveis ao sucesso, ele respondeu: ser consciente a respeito do tempo; ser multitarefa; ter um bom planejamento.   Tais características podem facilmente ser ligadas a uma atitude perfeccionista, entretanto, a busca da perfeição causa uma angústia capaz de comprometer todo o desempenho do profissional.

Tentar atingir o nível da perfeição aflige inúmeras pessoas, principalmente tratando-se de negócios. Basicamente, o que acontece com uma vítima do perfeccionismo, segundo a autora de Perfeccionismo não é uma virtude, Bia Kunze, é que ela, "sem estar ciente que a perfeição não existe, acha que seu trabalho está sempre aquém do almejado e acaba sacrificando todos os outros aspectos em prol de uma meta inalcançável, tornando-o um profissional, na verdade, ineficiente”.

 

Para vencer o perfeccionismo

Mesmo grandes líderes tiveram que aprender a administrar a própria personalidade para se adequar aos moldes da organização que integram.   Até alcançar o topo da hierarquia corporativa, os executivos trilham um longo percurso no qual amadurecem ao passo em que percebem quais elementos da personalidade devem abandonar pelo caminho e quais vão ajudá-los a desenvolver suas funções.

Administradores como a CEO da PepsiCo, Idra Nooyi, e a presidenta da Petrobras, Maria das Graças Foster, não chegaram à toa aos cargos que hoje ocupam.    Como elas, a maioria dos líderes evoluiu fazendo uso da autoconsciência. De acordo com Bia Kunze, todos estamos sujeitos a exercer um comportamento perfeccionista. "Pressão social, profissional, acadêmica.    Medo de falhar. Todos nós estamos sujeitos a isso, somos o tempo todo cobrados por resultados e a concorrência acirrada só piora o quadro", indica.

Se você não suportar ficar diante de uma mesa bagunçada, achar impossível abandonar uma atividade pela metade ou gasta bastante tempo refazendo tarefas, talvez precise reformular seu comportamento.    "Quebrar uma tarefa em múltiplas sub-tarefas, transformando-a num projeto com várias etapas, ajuda a não perder o controle.    Estipular um número máximo de revisões também evita que a pessoa se perca em múltiplas pequenas correções", sugere a autora Bia Kunze.

Para ganhar notoriedade dentro da empresa é fundamental que o indivíduo trabalhe cada elemento de sua personalidade, tendo em vista que o perfeccionismo pode levar um profissional a ficar mais distante da qualidade, em vez de o contrário.    O ideal é se dedicar ao máximo a todos os projetos e fazer o melhor que pode ser feito, tomando bastante cuidado para não ser extremista e nem buscar o inatingível.    Para ser bem-sucedido é preciso ter consciência do real valor do tempo e saber bem como gastá-lo.

 

(fonte: edição 24 da Revista Administradores)